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segunda-feira, 28 abril, 2025

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Fé e Sossego: Saquarema Precisa Conciliar o Sagrado e o Direito de Descanso

Cerimônia no bairro Porto da Roça terminou quase à meia-noite, ultrapassando o limite das 22h previsto na legislação municipal. Moradores relatam perturbação do sossego e cobram fiscalização mais rigorosa do poder público para equilibrar liberdade de culto e direito ao descanso.

No último sábado, no bairro de Porto da Roça, em Saquarema, moradores foram surpreendidos por um evento religioso que ultrapassou não apenas o horário das 22h — considerado pela legislação o início do período de maior restrição sonora —, mas também os limites de ruído permitidos para áreas residenciais. Segundo relatos, a movimentação, marcada por cantorias, gritos e uso intenso de caixas de som, prolongou-se até as 23h, causando desconforto generalizado aos residentes da área.

É fundamental reforçar que o direito ao culto e à manifestação religiosa é garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso VI. Contudo, o mesmo artigo 5º também assegura a inviolabilidade do direito à vida, à saúde, ao bem-estar e ao sossego da coletividade. Ou seja: nenhum direito é absoluto quando confrontado com os direitos de terceiros.

No âmbito municipal, a Lei Complementar 27/2013, que institui o Código de Posturas de Saquarema, estabelece limites claros de emissão sonora:

  • Em zonas residenciais, o máximo permitido é de 75 decibéis durante o dia e 65 decibéis à noite.

É importante destacar que nem mesmo eventos em áreas destinadas a grandes concentrações públicas, como o Campo de Aviação ou a Praça do Coração de Jesus, no Centro de Saquarema — locais tradicionalmente usados para shows, festas religiosas e eventos culturais —, estão isentos de normas específicas.
Nestes locais, o posicionamento de caixas de som, os níveis de emissão sonora e os horários de funcionamento dos eventos são previamente regulamentados pela Prefeitura, por meio de autorizações formais e planejamentos que visam minimizar os impactos sobre a vizinhança.

Se nem mesmo nos centros de eventos urbanos é permitido o uso indiscriminado do som, muito menos se pode admitir que em zonas residenciais haja desrespeito aos limites impostos pela lei, ainda que motivado por fins religiosos.

O desafio do poder público: mediar sem omissão

Quando situações como a ocorrida em Porto da Roça se tornam recorrentes, é preciso questionar a efetividade da fiscalização municipal. Se leis existem, cabe ao poder público aplicá-las de maneira igualitária, sem distinções ou omissões que possam gerar privilégios indevidos.

A fé é livre, mas o cumprimento das normas de convivência também é indispensável para a saúde do tecido social.
Permitir excessos — mesmo que em nome da religião — cria precedentes perigosos: se um grupo pode descumprir as regras, o que impede que outros, de diferentes crenças ou atividades seculares, reivindiquem o mesmo?

O papel do poder público é, justamente, equilibrar os direitos de todos, impedindo a escalada de conflitos e garantindo que a cidade continue a ser um espaço de convivência pacífica.

Sociedade, respeito mútuo e convivência pacífica

Vivemos em sociedade, e viver em sociedade implica reconhecer que a liberdade de um termina onde começa o direito do outro.

Se abrirmos espaço para que um templo religioso utilize som amplificado sem respeitar os horários e limites permitidos, teremos que aceitar que qualquer grupo — de qualquer crença, ideologia ou interesse — faça o mesmo. Imaginemos a consequência: diversas religiões, estilos de eventos e manifestações culturais ocorrendo ao mesmo tempo, noite adentro, sem controle de volume ou duração. O resultado seria o caos urbano e a degradação da qualidade de vida.

Respeitar o próximo é a base da liberdade.

A fé é um dos pilares da convivência humana, mas o respeito ao descanso, à saúde e ao direito de sossego também o é. O equilíbrio entre esses valores não é uma opção: é um dever de toda cidade que se pretende justa, acolhedora e civilizada.

Que Porto da Roça e toda Saquarema possam se tornar referências não apenas de fé viva, mas de respeito profundo ao próximo — porque a verdadeira espiritualidade se reflete também na empatia, no cuidado e no compromisso com a harmonia social.

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